domingo, 17 de agosto de 2008

A insustentável arrogância de um alfacinha!

Enquanto viajava no AP180 dei por mim a escrevinhar as linhas que vos apresento de seguida.
Enquanto caricaturava, com ou sem razão, aquela típica família nortenha do imaginário alfacinha pensei por várias vezes nas crueldade das minhas palavras. Sem consequência. Nem os pensamentos de então, nem as palavras escritas. A prosa que assino (pedante além de arrogante...) deve ser encarada como isso mesmo, uma caricatura. Com os seus naturais exageros e fantasias. Mas tudo, é claro, sem consequência!

Nota mental;
Comboio sempre! No 1º de Agosto, nunca mais!

Entrecampos 08:30h, 1º de Agosto de 2008 – Dia de Gordos!

Fila nas bilheteiras dos regionais, inter-cidades e afins anunciava uma viagem difícil. Pior. Aproximei-me na tentativa de verificar a validade do meu bilhete adquirido no multibanco (adoro tecnologia... e o Magalhães, hein?) e o que é que vi na vitrina? O pior que se pode ver em qualquer vitrina de uma bilheteira! Bem, o pior é discutível... Talvez o pior quando procuramos um bilhete ou quando procuramos espaço! Certamente que a Madona adora ter esta mesma placa nas vitrinas das bilheteiras dos seus espectáculos... Aliás, sei de fonte segura que é há muito um sonho íntimo do nosso querido Miguel Ângelo (desde 1989 que não recebe tal notícia) que, tadinho, só mesmo nas vitrinas das bilheteira da CP pode por um instante vislumbrar tal placa! Lá está, para ele seria uma sorte, para mim... um pesadelo! ESGOTADO! É esta a placa de que vos falo...


Respirei coragem, ingeri cafés e fumei cigarros. Tantos quantos pude...Puritanos da tanga! Estou eu a fazer um enorme esforço pelo ambiente e, claro, pela saúde colectiva ao viajar de transporte colectivo para o meu destino de convívio ferial (existirá?) e nem um cigarrinho posso fumar nas desesperantes duas horas e quarenta minutos de viagem! Nazis!
Bem, e que viagem... merecia meio maço...

Uma vozinha metálica feminina anuncia a chegada do Cavalo de Ferro ao apeadeiro. Uma vozinha metálica masculina avisa que entre a plataforma e o comboio ainda vão perigosíssimos 15 cm! Todos acenam em sinal de atenção redobrada... Este acenar colectivo chama-me a atenção. Irra! São tantos! Qual túnel da Luz, qual Praia de Carcavelos em feriado de Julho... Isto sim, é uma multidão! Mas não fica por aí... Além de serem muitos, uma particularidade me desperta a atenção... Tantas mini-pessoas. Claramente naquela gama de idades que anuncia a impossibilidade de um bom comportamento. A gama dos berros, choros, discursos bem vocalizados mas sem qualquer interesse para a maioria dos presentes. Discursos do género da importante comunicação do Professor Cavaco Silva ontem por volta das 20h. Enfim... Crianças exitadas com a perspectiva de 15 dias sem aulas, sem horas para irem para a cama, sem restrições de uso da única piscina que conhecem durante todo o ano. Crianças...
Com o sangue a correr rápido, assustado, entrei no cavalito. AP180. Esqueci por momentos as dificuldades previsíveis da viagem, afinal: “Vou para o Algarve de Alfa... Bem fixe!”.
Divagava neste pensamento quando me apercebi que não sabia qual era o meu lugar nesta excursão... Inspeccionei o talão que tinha recebido ontem do bem mandado ATM e lá estava, carruagem 4, lugar 53. “É bem... Vamos lá ver onde é isso!”.
Chegado à carruagem 4 dei de caras com todos os meus piores receios! Não, não eram bem os piores, afinal de contas não iria partilhar um banco com a bem conhecida Manuela Ferreira Leite nem com o irritante Luis Filipe Menezes, mas era bastante mau...
O meu lugar era de costas (mal nº1), longe da janela (mal nº2) e, (mal nº3) uma pequena família ocupava os lugares entre o 44 e o 47. E eu? Onde iria? Num não suficientemente distante 53! Raios, acabou-se o sossego!
Sentei-me e o Speaker disse qualquer coisa. Levantei-me e gritei “SLB! SLB! SLB!”, afinal reflexo ao chamamento de um qualquer speaker em qualquer ocasião... Provoquei a perplexidão dos presentes... Sentei-me e calei-me...
Pensei no que o Speaker teria dito. Se não pediu o grito pelo SLB, que raios quereria ele dizer? Só conheço um bom speaker e, esse, só fala do Benfica... Mas não era. Recordei as poucas palavras que percebi do seu discurso e percebi que avisava que ofereciam auscultadores (Headphones) na carruagem 3. O Alfa tem rádio e passa ainda um fabuloso dvd sobre a CP, Portugal e a sua vida onde consultam verdadeiros ícones da cultura nacional como o Manuel Serrão ou o Eládio Clímaco! Espectacular! Adiante...


Voltando aos meus queridos vizinhos em forma de família feliz. Feliz, mas estranha. A avó e o avô. Até aqui tudo bem. O avô, único elemento afastado, sentava-se no lugar 35, algo afastado da prol. Cedo percebi o porquê... A avó, personagem certamente retirada do catálogo da La Redoute, exibia uns curtos cabelos espetados com uma naturalíssima cor de caju! Nada suburbana!
A mãe. Personagem digna de um qualquer filme contracenando com uma fábrica de donuts. A fábrica fazia-os e ela comia-os. Equipa infalível. Não havia donuts feitos que ela não comesse. Croco branco, calça de ganga elástica em forma clássica de pêra, camisolinha preta de ligeiro decote deixando adivinhar uma luxuriante abundância de matéria recheante de soutiens, e cabelos soltos, pelo menos alguns, loiros, pelo menos a partir de certa parte, adornados com 4 pequenos ganchos para não incomodar a vista de uns redondos olhos verdes numa não menos redonda face rosada. Enfim, uma ode à beleza natural que a Dove tanto elogia.
Por último, os filhos. 2, sim 2. Não podia ser só 1 ou, por ventura, ½ que viesse num frasquinho e sossegado! Não! Tinham de ser 2!
A mãe adormece. Que linda miragem... O fio de baba e aquela bela prega na base do cachaço bem realçada pelo descair da cabeça. Que Vénus! Voltando aos petizes...
Um, mais velho, 6 ou 7 aninhos muito mal crescidos numa qualquer escolinha de Matosinhos, Gondomar, ou qualquer outro nicho dessa estampa. Calçonito, pé descalço e T-shirt com uma gola por onde passariam 2 ou 3 cabeças iguais à dele, cedo na viagem demonstrou o seu verdadeiro potencial. Brincado com os carrinhos do mano mais novo simulava enormes acidentes com reproduções sonoras dignas de um qualquer Studio de Hollywood! Entretanto a mãe, dormindo na paz do sono embalado pelo movimento pendular, deixou o seu maxilar inferior ceder numa boca entreaberta tão típica de um sono de viagem. Vislumbrei por momentos a gloriosa baliza de hóquei que exibe na dentição superior... “Faltam ali dois dentinhos, pode dizer adeus ao prémio da beleza natural da Dove...” Coitadinha...
Entretanto, e para meu consolo, o seu mais velho dorme. Depois de tanto acidente e de tão fieis reproduções é natural que acumule algum cansaço, tadinho...
O mais novo, esse, é imparável! Também de calções, ostenta uma camisolinha às riscas tipo marinheiro e sandálias romanas provenientes, certamente, da Bata ou do Calçado Guimarães... Uma delícia! Cedo montou um verdadeiro parque de brinquedos na carruagem 4 do AP180. Será que pagam mais bilhete por isso? Brincou, brincou, berrou, chorou e pum, pum! Dois estalos macios da Vénus do Alfa para quebrar a birra. Sossegou. Afinal a Vénus sabe como manter a sua prol na linha! Agora brincava baixinho. Ou pelo eu, que usava os auscultadores no máximo, já não o ouvia.
Chão com ele! Rebolou, chateou a avó suburbana, a mãe naturalíssima, e por ventura, mais 7 ou 8 pessoas que aparentemente não mantinham qualquer relação de parentesco com a criatura.

Quase em Tunes, após duas horas e vinte minutos de viagem, chego à conclusão que... da próxima vez vou em 1ª classe. O meu sossego é bem capaz de valer os cinco euros que a CP pede a mais para evitarmos famílias e suas amorosas criaturas!